Essa semana li na newsletter da Sophie Robbinson1 que o tal “open plan spaces”, o famigerado “conceito aberto2”, não é mais uma tendência e está indo pro final da lista de desejos de quem anda reformando ou construindo a própria casa, ao menos na Inglaterra. E que os espaços pequenos e compartimentados têm sido novamente procurados, pois as pessoas andam querendo sentir aconchego, se sentir aninhadas.
Achei a consideração interessante, pois eu também me sinto mais aconchegada em ambientes menores. Mas confesso que fiquei intrigada com a motivação. Supunha que era por perceberem que a integração não funciona para todos. Inclusive, não acho que integração sala e cozinha seja determinante para perda do aconchego.
Sem dúvida, as dimensões e a materialidade da casa (os seus revestimentos e acabamentos) são importantíssimas para conferir aconchego. Diria que, a depender da materialidade, já são 2/3 de caminho percorrido (casa nenhuma consegue ser aconchegante com o combo porcelanato polido no chão e revestimento 3D na parede, me desculpe).
Existe, porém, algo muito maior e mais comum que nos afasta do aconchego na nossa casa: o vazio que o utilitarismo traz.
Isso acontece quando o único critério que a pessoa usa pra mobiliar e decorar a casa é o da utilidade. A casa só tem móveis principais e coisas úteis. A sala tem o sofá, a tv e a mesa com 4 cadeiras. O quarto tem um armário e uma cama box com lençol esticado por cima. Pra piorar tudo, na maioria das vezes, a luz dessa casa é fria (ou branca, como preferir).
Não há detalhes que façam o olhar passear, nem mesmo um ponto focal onde ele possa repousar. Não há um vaso de planta, quadro na parede, ganchinho pra pendurar uma bolsa. A casa não tem nenhum rastro de vida de quem mora ali.
Essa casa é muito mais comum do que você possa imaginar. E, acredite, isso não é por circunstâncias financeiras, mas sim por falta de noção ou de cuidado mesmo. A pessoa escolhe morar numa casa vazia. Vazia de si.
O antídoto pra essa casa triste e sem aconchego são os detalhes. Os detalhes inúteis. Falta aquele potinho de cerâmica que você ia comprar, mas na boca do caixa resolveu que só iria juntar poeira. Falta aquela lembrança que você ia trazer de viagem, o quadro lindo da galeria, mas que custa 4 sexta-feiras de happy-hour e você acha muito caro. O antídoto está nas fotografias na parede do corredor, é a cama feita com capricho, na mesinha de cabeceira com abajour de luz amarelinha pra ler um livro antes de dormir.
As coisas inúteis e belas que nos lembram que a vida é muito mais do que a função mecânica do acordar-comer-trabalhar-comer-dormir num looping eterno. As coisas inúteis que nos permitem desfrutar da vida.
Essa curadoria que a gente faz ao longo da vida, das pequenas coisas sem grande utilidade, é capaz de transformar o apartamento mais feio e sem graça em um lugar cheio de vida e bem interessante.
Depois de 7 anos fazendo consultorias, afirmo tranquilamente que, muitas vezes, ela é muito mais transformadora que um projeto completo. Me questionei se deveria escrever isso aqui, pois pode gerar um tremendo mal entendido.
Isso acontece porque, frequentemente, as pessoas optam por usar todo orçamento na obra e deixar os móveis, quadros e itens decorativos pra depois. Muitas vezes esse depois leva anos pra acontecer, ou não acontece. Enquanto na consultoria, o foco é tratar dos detalhes.
E quando a casa ganha quadros, tapetes, luminárias, potinhos e coisa e tal, ela ganha vida. E a vida cotidiana se transforma. É relato de gente se curtindo em casa sexta à noite, família voltando a se reuniar à mesa, amigos enchendo a casa, filhos trazendo os amigos, casal ficando mais junto…
Há alguns anos atrás, tomei conhecimento de um projeto lindo criado por uma arquiteta, Carina Guedes, chamado Arquitetura na Periferia. O projeto tem por fim ensinar às mulheres da periferia de Belo Horizonte sobre projetos, processos construtivos e ajudá-las a construirem suas próprias casas. Elas se revezam para melhorar, ou mesmo contruir, as casas umas das outras. Uma das mulheres que teve a vida transformada foi Luciana Cruz. Obviamente, não a conheço. Mas foi dela a frase que guardei pra mim, e compartilho no início do guia das consultorias, que mostra que deixar a nossa casa melhor, seja assentando tijolo, seja colocando a flor no vaso e o quadro na parede, é muito transformador: “Se mudo o espaço em que estou, vou me mudando também. Também fiz pequenas reformas em mim”.
Post Scriptum:
Semana passada recebi tantos recadinhos no instagram e whatsapp sobre o texto da beleza mínima e eu adorei a troca. Mas não sejam tímidos e podem escrever aqui nos comentários também. Basta clicar na caixinha “leave a comment”. Assim os comentários, inclusive, relatos interessantíssimos, podem ser lidos por quem mais tiver desejo de compartilhar.
Sophie Robinson é uma designer de interiores inglesa com um talento natural para misturar cores fortes, texturas, tecidos. Uma espécie britânica do mestre Sig Bergamin, que a meu ver faz o que ela faz com mais elegância e, claro, nossa brasilidade. Muito embora não seja o meu estilo pessoal, admiro demais demais!
Gostaria de deixar consignada a minha luta pessoal contra esse termo horroroso que é o “conceito aberto”, quem me acompanha há mais tempo já sabe da minha implicância. Poderia escrever um texto só sobre isso e como essa expressão não faz o menor sentido, mas vou optar por ser sucinta (tenho dificuldade, assumo): um projeto precisa ter um conceito bem definido, ele não é aberto. Abertos, ou integrados, como costumo falar, são os ambientes. Assim, quando você fala “conceito aberto”, passe a falar espaços integrados, ambientes integrados ou até mesmo “a cozinha aberta para a sala”. Aos colegas de profissão, aceito sugestões para essa expressão pessimamente incorporada no nosso métier.
Amei o texto e acredito ser bem isso mesmo. Para minha casa, aconchego é umas das características principais. Um tapetinho, uma lembrança, um quadro na parede. Tudo que faça sentido para nós ou mesmo, apenas porque achei bonito. O que não quero é viver em um lugar sem graça, ou melhor, sem ser parte de quem eu sou.
Eu amei o texto! É exatamente isso! A casa precisa ter aconchego, detalhes, lembranças! Amo os quadros da minha parede da sala, que têm me acompanhado desde que fui morar sozinha há 5 anos.