#03 Caminhos não lineares
Foto de Nik na Unsplash
Esse mês completei 40 anos. Ao completar 39, achei que precisava passar algumas coisas a limpo comigo e fiz de 2022 um ano de muita terapia. Fiz transição de carreira aos 32, de uma profissão super clássica e “estável” pra uma que, se pensarmos com a cabeça de quem foi criado nos anos 80, era nada convencional. Então, eu precisava tecer algumas pontas soltas que ainda tinham dentro de mim.
Essa semana li esse texto da Alê Garatoni em que ela falava sobre mudanças, sobre o porquê as pessoas mudam ou o porquê de não mudarem, mesmo quando tem esse desejo, e qual seria a relação de medo e coragem das que recomeçaram. A acompanho há muitos anos e já a vi transitar por diversas frentes, abrindo e encerrando negócios próprios. Sempre me pareceu que ela fizesse isso com uma facilidade natural, mas hoje sei que lhe custa. Entretanto, como ela afirma no texto, quando chega o momento em que ficar é mais doloroso que sair, o movimento é necessário.
Quem já fez alguma mudança maior na vida, profissionalmente ou não, sabe que muitas vezes temos a sensação de que, ao mudarmos, jogamos fora o que investimos de tempo e dinheiro na “fase” anterior. Mas isso jamais acontece, pois, por mais clichê que isso pareça ( clichês existem por um motivo óbvio), a caminhada é que vai formando quem você é. É como se a vida fosse uma trama e cada um de nós precisasse tecer a sua própria, e os seus fios são os caminhos que te levaram até ali e são só seus, você é o único capaz de juntar todos eles e costurá-los na sua própria forma.
Me parece, então que, na verdade, o que a gente chama de caminho não linear é na verdade, o único caminho que temos e há uma grande linearidade nele. Mesmo que você jamais tenha feito nenhuma grande mudança, não conheço ninguém que não tenha tido que mudar pequenos planos que fossem, o controle nunca é absoluto. De certa forma, a vida não é mesmo pra ser linear.
E aí, como se não bastasse o texto da Alê e minhas elocubrações sobre esses desejos de mudança que nos acompanham em determinados momentos da vida, numa dessas “coincidências”, recebi hoje pela manhã esse texto da Tatiane Pinheiro falando sobre como o trabalho dela exige habilidades que não lhe são naturais e como isso acaba levando a um esgotamento, pois exigem muito mais energia para serem desempenhadas.
E, pra mim, fez total sentido, pois a minha mudança me colocou num local onde me sinto bem na minha própria pele. Acho que é aqui mesmo que todos nós deveríamos estar, não é? E, particularmente para mim, é uma ótima constatação ao completar 40 anos. Ainda tem pontas soltas, mas elas não estão desfiando nada, estão só esperando o próximo ponto.
Entretanto, e aí acendo a luz amarela das mudanças, mesmo estando no nosso centro, a vida sempre exigirá de nós movimentos que nos são difíceis. Coisas que não nos são naturais e que, para serem desempenhadas, nos fazem despender muita energia. Mas creio que, uma vez dentro desse lugar certo, isso é absolutamente normal e esse jamais deve ser o motor propulsor da mudança. É aquela velha história: mesmo fazendo o que você ama, sempre vai ter a parte que você odeia. Isso vale para qualquer âmbito da vida, né?
E o que isso tem a ver com casa, design, blá blá blá. Tem tudo. Essas mudanças acabam por sair da gente e se refletir no ambiente. E o único ambiente que temos controle é o da nossa casa.
Recentemente recebi o relato de uma antiga cliente que precisou reestrutuar a casa para trabalhar e, com os ambientes novos, trabalhando num espaço que ela tinha prazer de estar, acabou mudando de carreira. Ela se sentia bem de estar ali e ficou mais produtiva. Começou, então, a usar as horas livres para se dedicar mais a uma área que gostava e não havia explorado. Hoje já não exerce o mesmo trabalho que exercia antes.
A Marina de 22 anos, quando casou, pintou uma parede de lilás e tinha um sofá cama de sarja preta, hoje impensáveis pra mim, mas que eram exatamente “eu” naquela época. Essa jornada toda permite que a gente tire os excessos que recebemos do mundo pra gente ir lapidando quem a gente é de verdade.
Se você estiver atento, seu olhar vai sendo treinado pra reconhecer coisas que fazem sentido pra você, que refletem sua história e a casa vai te acompanhando e refletindo isso.
O movimento mais natural que temos diante da mudança é ajustar nossa casa, ainda que minimamente, pra receber nossa versão mais lapidada. Grande parte das pessoas que me procura, especialmente nas consultorias, teve alguma mudança significativa na vida: foi morar sozinho, mudou de emprego, casou ou separou, engravidou, os filhos sairam de casa…
A mudança de dentro naturalmente te empurra pra mudança de fora. Mas, falo com a mais absoluta certeza, mudar “fora” sempre desperta a gente para mudar “dentro”.